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quarta-feira, agosto 08, 2007

Se me deixam falar

A partir de depoimentos de Domitila Barrios, mãe de sete filhos, esposa de mineiro e uma das bolivianas mais ativistas na luta contra as desigualdades sociais e as péssimas condições de trabalho que os homens se submetiam para manter a enorme produção de estanho que só gerava lucros a poucos. Moema Viezzer, educadora e pesquisadora social publica o livro em 1978.
Dentre vários relatos de miséria, muito me chamou atenção a inteligência de uma mulher pobre, sem condições de estudo e que supostamente seria facilmente “engambelada” nas garras da religiosidade e assim abriria mão de sua voz política.
Segue abaixo o trecho:
“... me dediquei a ler a Bíblia através da religião que havia recebido de meu pai, os Testemunhas de Jeová. Assistia suas reuniões, praticava muito o que eles me diziam. Mas, depois eu saí, principalmente quando entrei para o Comitê das Donas-de-Casa, pois descobri outras coisas que para mim eram importantes e que eles não queria aceitar.
No Comitê, eu entrei por necessidade, para estar com as outras mulheres, juntas com nossos companheiros na sua luta por melhores condições de vida. Então, os Testemunhas de Jeová me disseram que eu não devia meter-me nisso, pois aí estava Satanás, que na religião não se permitia política.
Bom, eu seguia e seguia no Comitê. Posteriormente, eles me chamaram e disseram que iam castigar-me, iam submeter-me a um ano de reflexão. Todos os dias que houvesse assembléia, eu deveria ir, e ninguém deveria falar-me durante um ano. E, se em um ano eu não deixasse de fazer o que eles haviam-me proibido, então iam expulsar-me da religião. Disseram que eu estava fazendo coisas erradas estando no Comitê.
Eu lhes respondi:
- Em primeiro lugar, Deus disse que não devemos julgar ninguém. E quem são vocês para julgarem minha maneira de ser? Ademais, vocês analisam as coisas para o seu lado, e a preocupação de vocês é apenas o pequeno grupo que freqüenta as assembléias. Por isso vocês não percebem a situação que vive a maior parte do povo. Vocês não se interessam por isso, ao é?
Eu lhes disso tudo isso. E falei mais.
-Suponhamos, por exemplo, uma viúva que tem bastante filhos e que, para ganhar um pão para dar a seus filhos, tenha que dizer alguma mentira porque alguém pediu. Ela mente e ganha um pão para seus filhos. E que depois, ela tenha que roubar porque não tinha nada para dar-lhes. Digamos que depois, um de seus meninos ficou doente e ela, necessitando tanto de dinheiro, desesperada, prostituiu-se para salvar a vida do filho. Então, na outra vida- segundo eles, as prostitutas, as mentirosas e outras semelhantes, não conhecerão o reino de Deus, não poderá ir para o paraíso? Isso eu não aceito.
Além do mais , na Siglo XX- Llallagua, os Testemunhas de Jeová são os mais ricos, não sofrem misérias como nós. Não sei como é em outros países, mas aqui é assim. Então, eu disse:
-O irmão Alba- que era o mais rico em Llallagua naquela época- vive feliz nesta vida porque não tem necessidades. Em porque conhece a palavra de Deus, não se prostituirá, não mentirá, não fará nada destas coisas. E, então, ele entrará no reino do céu. E a essa viúva que está sofrendo tanto, Deus lhe dirá: “ Bom, eu lhes disse que não fizessem essas coisas. Agora, vá para o inferno...”. É isso que acontecerá? Então, o que nasceu pobre,, nunca vai alcançar a glória de Deus e o irmão Alba sim? Ele alcançará a glória de Deus porque conhece a Bíblia? Isso não me parece justo. E ainda que para vocês, a ajuda espiritual pareça ser a única importante, eu penso que deva começar com a ajuda material. Se, por exemplo, eu consigo um trabalho pra viúva, lhe digo, “Olha, você trabalha aqui, viva aqui com seus filhos.” Então depois já posso dizer-lhe “Na Bíblia está escrito que não deve mentir, não deve roubar, não dve prostituir” Então, é lógico, como ela já não tem necessidades desesperadoras e já tem trabalho, pode seguir o que diz a Bíblia, não é certo?
Eles me responderam que eu já havia me transformado numa obra de Satanás e que não estavam de acordo com o que eu dizia. Eu lhe disse que ia embora. E fui.
Depois fui vendo, pouco a pouco como esse grupo também era outro a serviço do imperialismo. Eles diziam que nós não deveríamos meter-nos na política, mas no entanto, ali no templo, eles faziam política a todo tempo pela maneira com que discutiam os assuntos. Além disso, eles distribuíam folheto e num deles, onde está escrito ‘ Liberdade de culto”, havia umas botas pisando umas religiões e estava escrito “ Comunismo, marxismo”; em outro folheto estava Marx- nesse tempo eu não conhecia Marx, o conheci depois- desenhado como um polvo abraçando o mundo e que era preciso mata-lo. Assim...”

3 Comments:

  • At 9:09 AM, Blogger Luciano Costa said…

    Muito maneira a postagem...

     
  • At 1:26 PM, Blogger Luana said…

    A religião sempre foi uma forma de manter o imperialismo e reprender novas idéias.
    É muito legal saber que alguém que nasceu rodeada dessas doutrinas se libertou assim. Pena que esse é um caso em cem ( se não for mais)... :/

     
  • At 8:25 PM, Blogger Rogeria said…

    oie, hj vendo o jornal na tv me veio à memória de Domitila, eu li esse livro qdo tinha uns 13/14 anos...hj tenho 40 e havia apagado a história da memória...
    parabéns por lembrar mulher forte e importante, vou agora mesmo procurar o livro para comprar e nunca mais esquecer...

     

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